Tudo começou quando me mudei para o apartamento no décimo segundo andar. Era um lugar pequeno, mas tinha uma vista incrível da cidade. O que mais me chamou atenção foi o espelho antigo na sala de estar – uma peça ornamentada com uma moldura de bronze que o antigo inquilino havia deixado para trás.
Durante as primeiras semanas, tudo estava normal. Eu trabalhava em casa como programador, então passava a maior parte do tempo no apartamento. Foi numa tarde de quinta-feira que notei algo estranho.
Estava codificando quando percebi um movimento no canto do olho. Virei para o espelho e vi meu reflexo… mas ele estava olhando para a direita, enquanto eu estava olhando diretamente para o espelho. Por um segundo, nossos olhos se encontraram, e juro que vi uma expressão de surpresa no rosto do meu reflexo – como se ele também tivesse percebido a discrepância.
Balancei a cabeça e voltei ao trabalho, convencido de que era apenas cansaço. Mas aquela imagem ficou martelando na minha mente.
Na noite seguinte, decidi testar. Fiquei em frente ao espelho e deliberadamente mexi o braço direito. Meu reflexo moveu o braço esquerdo, como deveria ser. Sorri, e ele sorriu de volta. Tudo normal.
Mas então, quando estava prestes a me afastar, meu reflexo piscou.
Eu não havia piscado.
Meu coração disparou. Fiquei parado, encarando meu próprio rosto no espelho. Ele me encarava de volta, mas havia algo nos olhos… uma inteligência, uma presença que não era minha.
Comecei a evitar o espelho, mas era impossível ignorá-lo completamente. Ele ficava bem na minha linha de visão enquanto eu trabalhava. Várias vezes peguei meu reflexo fazendo coisas diferentes – coçando o rosto quando minhas mãos estavam no teclado, virando a cabeça quando eu estava olhando para frente.
A situação piorou quando comecei a notar que meu reflexo estava… adiantado. Ele começava movimentos uma fração de segundo antes de eu fazê-los. Como se soubesse o que eu ia fazer antes mesmo de eu decidir.
Numa madrugada de domingo, acordei com sede e fui até a cozinha beber água. Ao passar pela sala, olhei instintivamente para o espelho. Meu reflexo estava lá, parado no meio da sala, me observando.
Mas eu estava na cozinha.
Corri de volta para a sala e me posicionei exatamente onde meu reflexo estava. Agora ele estava na cozinha, bebendo água de um copo que eu havia deixado na pia.
Foi aí que entendi: não era meu reflexo que estava errado. Era eu que estava refletindo ele.
Comecei a documentar tudo. Descobri que podia me comunicar com ele através de gestos, mas ele sempre respondia com uma ligeira demora, como se estivesse traduzindo meus movimentos para sua realidade. Quando eu escrevia algo no papel, ele escrevia o mesmo texto, mas espelhado – não apenas as letras, mas o próprio significado parecia distorcido.
A pior parte veio quando percebi que ele estava se tornando mais… independente. Começou a fazer coisas que eu não fazia. Sorria quando eu estava triste. Gesticulava quando eu estava quieto. Era como se estivesse desenvolvendo sua própria personalidade.
Numa noite, acordei e ele não estava no espelho.
Levantei da cama em pânico e corri para a sala. O espelho estava vazio – apenas o reflexo do apartamento, mas sem mim. Olhei ao redor desesperadamente até encontrá-lo.
Ele estava na janela.
Não o reflexo da janela – ele estava literalmente parado na janela, do lado de fora do décimo segundo andar, olhando para dentro. Seus pés tocavam o vidro como se fosse chão sólido. Quando me viu, acenou calmamente e apontou para a porta.
Ouvi três batidas lentas na porta do apartamento.
Meu reflexo queria entrar.
Não abri a porta naquela noite. Nem na seguinte. Mas as batidas continuaram, sempre às 3:17 da madrugada. Sempre três batidas. Sempre no mesmo ritmo.
Hoje faz uma semana que não vejo meu reflexo em lugar nenhum – nem no espelho, nem no vidro da janela, nem nas superfícies polidas. Não tenho mais sombra quando o sol está forte. As pessoas na rua às vezes olham através de mim, como se eu não estivesse realmente lá.
Ontem à noite, as batidas pararam.
Esta manhã, quando acordei, encontrei uma mensagem escrita com o dedo no vapor do espelho do banheiro:
“OBRIGADO POR ME DEIXAR ENTRAR.”
Mas eu nunca abri a porta.
Ou abri?
Não consigo mais ter certeza de qual lado do espelho eu realmente estou. As memórias se confundem. Às vezes sinto que sou eu batendo na porta, tentando voltar para casa. Outras vezes tenho certeza de que estou dentro do apartamento, observando alguém que roubou minha vida.
Se você está lendo isso, talvez eu tenha conseguido postar online antes que seja tarde demais. Ou talvez ele tenha postado, tentando atrair mais pessoas para o mesmo destino.
Uma coisa eu sei: se você ver seu reflexo fazendo algo que você não está fazendo, não ignore. Não tente se comunicar com ele.
E jamais, jamais abra a porta quando ele bater.
Porque quando você menos esperar, vai perceber que não sabe mais qual lado do espelho é real.
E talvez nunca tenha sabido.