Astronautas que fizerem a viagem de ida e volta para Marte podem enfrentar uma condição única e indesejável: a “doença renal cósmica”. Embora o termo pareça intrigante, na verdade, representa um sério problema de saúde. Novas pesquisas indicam que as condições vivenciadas por viajantes interplanetários podem causar alterações significativas na estrutura e função dos rins. A exposição prolongada à microgravidade e à radiação espacial pode resultar em danos irreversíveis a este órgão vital.
Segundo o autor do estudo, Dr. Keith Siew, “Um ano na estação espacial equivale à mesma dose de radiação que um trabalhador de usina nuclear recebe com segurança em cinco anos”. Mesmo na Estação Espacial Internacional (ISS), os astronautas permanecem na órbita baixa da Terra (LEO), recebendo proteção do campo magnético terrestre contra a radiação cósmica galáctica (GCR).
Até agora, os únicos humanos a serem plenamente expostos à GCR foram os 24 indivíduos que viajaram até a Lua durante as missões Apollo, porém essas viagens de retorno não duraram mais do que 12 dias. Em contraste, uma visita a Marte exigirá vários anos no espaço profundo, o que significa uma exposição muito maior à radiação.
“Em missões ao espaço profundo, ninguém sequer considerou que o rim poderia ser danificado pela radiação, apesar de ser um dos órgãos mais sensíveis a ela”, explica Siew.
No estudo, os pesquisadores analisaram a função renal e biomarcadores de 66 astronautas, além de examinarem os rins de roedores que viajaram para a ISS. Também conduziram experimentos para simular os efeitos das viagens espaciais de longa distância, expondo ratos a doses equivalentes de radiação às que os astronautas receberiam em uma viagem de vários anos a Marte.
Os resultados revelaram um significativo “remodelamento” do rim após menos de um mês no espaço, com uma importante componente chamada túbulo contorcido distal se tornando mais curta devido à microgravidade e radiação. Isso resulta em uma perda “progressiva e irreversível” da função renal, embora o impacto exato disso em uma missão a Marte ainda não esteja claro.
“O rim é um órgão de resposta tardia, então você não percebe nada de errado até muito tempo depois. Você pode perder 75% da função antes de começar a ver sintomas e declínio reais”, diz Siew. Assim, os astronautas podem “sentir-se perfeitamente normais” durante uma missão, apenas para experimentar uma falha renal catastrófica após retornar à Terra.
Apesar de terrível para o ser humano no traje espacial, se os efeitos forem suficientemente retardados, isso pode não prejudicar a própria missão. No entanto, pedras nos rins são uma preocupação mais imediata, sendo até 14 vezes mais comuns durante voos espaciais do que na Terra e podendo incapacitar os astronautas em momentos críticos.
“Até agora, o aumento do risco de cálculos renais no espaço foi atribuído principalmente à desmineralização óssea devido à microgravidade, mas nossas análises metabólicas sugerem que a perda de função renal também pode ser parcialmente responsável. Não podemos resolver esse problema apenas tentando corrigir os ossos. Precisamos considerar também a função renal”, explica Siew.
Apesar da seriedade dessas descobertas, os pesquisadores destacam que seus modelos podem não representar com precisão os efeitos dos voos espaciais, pois expuseram seus roedores a até dois anos e meio de GCR em explosões curtas de apenas 45 minutos. Se os efeitos dessa exposição aguda correspondem ou não à exposição crônica enfrentada por viajantes interplanetários ainda não está claro.
“Há uma possibilidade real de que o que estamos observando sejam efeitos da radiação aguda aos quais você não seria realmente exposto. Portanto, o que estamos vendo pode ser menos prejudicial do que o que realmente acontecerá. Ou podemos estar superestimando o dano”, explica Siew, acrescentando que a exposição prolongada a doses mais baixas pode ser como “morrer aos poucos”.
Comentando sobre essas descobertas, o autor sênior do estudo, Professor Stephen B. Walsh, enfatiza que “se você está planejando uma missão espacial, os rins realmente importam. Não podemos protegê-los da radiação galáctica usando escudos, mas à medida que aprendemos mais sobre a biologia renal, pode ser possível desenvolver medidas tecnológicas ou farmacêuticas para facilitar a viagem espacial prolongada”.
“Quaisquer medicamentos desenvolvidos para astronautas também podem ser benéficos aqui na Terra, por exemplo, permitindo que os rins dos pacientes com câncer tolerem doses mais altas de radioterapia, já que os rins são um dos fatores limitantes nesse sentido.”
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